domingo, 25 de setembro de 2011

Era uma vez...



"Era uma vez um pintor que tinha um aquário e, dentro do aquário, um peixe encamado. Vivia o peixe tranqüilamente acompanhado pela sua cor encarnada, quando a certa altura começou a tornar-se negro a partir- digamos – de dentro. Era um nó negro por detrás da cor vermelha e que, insidioso, se desenvolvia para fora, alastrando-se e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário, o pintor assistia, surpreendido, à chegada do novo peixe.
O problema do artista era este: obrigado a interromper o quadro que pintava e onde estava a aparecer o vermelho de seu peixe, não sabia agora o que fazer da cor preta que o peixe lhe ensinava. Assim, os elementos do problema constituíam-se na própria observação dos fatos e punham-se por uma ordem, a saber. 1º – peixe, cor vermelha, pintor em que a cor vermelha era o nexo estabelecido entre o peixe e o quadro, através do pintor, 2º – peixe, cor preta, pintor em que a cor preta formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar acerca das razões por que o peixe mudara de cor precisamente na hora em que o pintor assentava na sua fidelidade, ele pensou que, lá de dentro do aquário, o peixe, realizando o seu número de prestidigitação, pretendia fazer notar que existia apenas uma lei que abrange tanto o mundo das coisas, como o da imaginação. Essa lei seria a metamorfose. Compreenda a nova espécie de fidelidade, o artista pintou na sua tela um peixe amarelo."

REFERÊNCIA: HELDER, Herberto. Vocação animal. D. Quixote: Lisboa. 1971, p. 11/12.

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